segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Cuidado com a tacocracia - Mario Sergio Cortella

Estou lendo o livro do filósofo e educador Mario Sergio Cortella, "Não Nascemos Prontos - provocações filosóficas" e pensando nas ligações entre comida e magia. Em seu terceiro capítulo,"Cuidado com a tacocracia", sua abordagem diz respeito a pressa que existe no mundo contemporâneo e a necessidade de se vencer o tempo. Abaixo reproduzirei na íntegra o capítulo. Fiquei imaginando um mundo tão rápido e sem tempo hábil para quase nada: comer bem, dormir relaxadamente, pensar, divertir, viver o ócio e etc., parece-nos impossível nesses tempos de pressa de uma sociedade que "precisa" vencer os desafios do tempo e se organizar cada dia melhor. Em postagens anteriores desse blog já tratei do assunto dos fast-food, da pressa e da saudade dos antigos e demorados almoços em família. Para a sociedade de consumo, "tempo é dinheiro" e a demora num restaurante parece ilícita e imoral. A criação das redes de comida rápida, mesmo sem sabor ou qualidade, foi conveniente aos apressadinhos de plantão, que precisam bater metas absurdas, estabelecidas por suas empresas e mostrar produção a todo instante. Tudo isso me levou a pensar se não tivermos mais tempo disponível, como seria um fast-ritual, ou uma fast-magia da culinária? Eu sei que há pouco tempo para cozinhar em casa, pouco tempo para enfrentar as filas dos supermercados, feiras livres ou sacolões. Apenas quero reforçar a idéia de que num mundo que tem tanta pressa, para nós bruxas e bruxos não há como se adiantar. Na magia cada etapa tem sua importância para o resultado final e não há como dizer: farei um ritual rapidinho e já volto. Na magia temos que desacelerar, respirar, beber água e colocar a mão na massa ou no nosso altar e em seus instrumentos sagrados. Conectar-se com o divino requer tempo, dedicação e emoção. Coisas que o "fast world" não vai conseguir destruir nas nossas práticas, eu assim espero!


Cuidado com a tacocracia...


Se você não se cuidar, a tacocracia vai te pegar!

Os antigos gregos , avós da cultura ocidental, quando usavam o termo tákhos (rápido) para expressar uma característica ou a qualidade específica de algo, não poderiam imaginar que um dia seus herdeiros fôssemos capazes de escolher a velocidade como o principal critério de qualidade para as coisas em geral. Estamos próximos, muito próximos, de uma tacocracia, na qual a rapidez em todas as áreas aparece como um poder quase despótico e como exclusivo parâmetro para aferir se alguma situação , procedimento ou relação serve ou não serve, é boa ou não. A pressa não é mais inimiga da perfeição? Devagar não se vai mais ao longe? Há, ainda, algum valor que possa ser atribuído a algo que demora um pouco mais para ser feito, fruído ou conquistado? Não; não temos mais tempo! Cada dia levantamos mais cedo e vamos dormir mais tarde, sempre com a sensação de que o dia deveria ser mais extenso ou não soubemos nos organizar direito. Nem o relógio olhamos mais para ver que horas são, mas, isso sim, para verificar "quanto falta". É essa urgência de visualizar o intervalo espacial entre os ponteiros que fez, por exemplo, com que os relógios de pulso digitais não obtivessem sucesso duradouro, pois precisam ser lidos, em vez de apenas percebidos de relance; hoje, só os usam os que têm algum tempo sobrante para fazer cálculos.

Vai demorar para ficar pronto? Vou demorar para aprender isso? A conexão é demorada? A leitura desse livro é demorada? A visita ao museu é demorada? O culto é demorado? Aprender a tocar esse instrumento é demorado? Cuidar mais do corpo é demorado? Demora para fazer essa comida? Então não posso querer. Será um exagero pensar que estamos sendo invadidos pela tacocracia? Bem, lembremos somente uma situação modelar: a alimentação. Embora não seja uma das maiores fontes de prazer e convivência para nossa espécie, querem que eu, o tempo todo (em vez de ser opção eventual), procure um tipo de comida em função da qual não precise pensar muito para selecionar - posso numerá-la, no lugar de nomeá-la - e, claro não espere além de um minuto para recebê-la. Ademais, essa comida deve ter uma consistência que me permita dispensar o trabalho de mastigar muito, podendo comê-la com as mãos, após ser tirada do interior de um saco de papel. O melhor de tudo é que eu consigar fazer isso sentado em fixos banquinhos desconfortáveis (diante de incomôdas mesas) ou, como ápice civilizatório, dentro do carro, enquanto dirijo. É prático, sem dúvida. Mas, é bom? Possibilita que eu ganhe tempo, mas, o que faço com o tempo que ganho? Vou desfrutar mais lentamente outras coisas ou continuo correndo? Tem alguma coisa errada nessa turbinação toda. Afinal, para além dos gregos que traímos, vamos pelo menos respeitar os latinos, para os quais curriculum vitae significava o percurso da vida, e não a vida em correira...

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